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Estudos criativos para percussão popular
Chico Santana

Última alteração: 2022-01-22

Resumo


A percussão popular, mais do que uma família de instrumentos, constitui um campo de práxis musicais historicamente marginalizadas, seja na grande mídia, seja na academia, mantidas por percussionistas atuantes em diversos contextos culturais. Teixeira (2015) aponta como as práticas do “grupo social dos percussionistas”, embora amplamente difundidas e consolidadas na música popular, seguem em posição periférica nos currículos de ensino musical superior. Nesse âmbito, Queiroz (2017) identifica processos de “epistemicídios musicais e exclusões”. Na “naturalização” da condição oprimida e dicotomização de valores impostos pela modernidade e colonialidade (QUIJANO, 2014), a percussão popular brasileira ocupa o pólo mais baixo, está do outro lado do abismo, dentro do “pensamento abissal” discutido por Souza Santos (2009). As formas de “ser, saber e existir” (WALSH, 2009) de percussionistas populares parecem não se encaixar no modelo acadêmico e universitário brasileiro.

Afim de ampliar o espaço da percussão popular no âmbito acadêmico (especialmente no ensino e pesquisa), o Laboratório de Percussão e Rítmica - LAPER - vem promovendo uma série de atividades, embasada por pesquisas de músicos de diversas partes do Brasil e do mundo que fazem parte deste grupo (vinculado ao CNPq). Com abordagem transdisciplinar e buscando um diálogo constante com a sociedade, o coletivo lança uma série intitulada “estudos criativos para percussão popular”. Os materiais audiovisuais trabalham aspectos artísticos e pedagógicos de forma concatenada, com uma abordagem criativa.

A percussão, de forma geral, é caracterizada por uma grande diversidade de instrumentos, linguagens musicais, formas de tocar e processos de ensino e aprendizagem. Considerando tal premissa, os “estudos criativos” aqui apresentados são pequenas peças divididas em duas seções, que possuem a interpretação do bongô como eixo. A primeira apresenta levadas de samba para bongô, instrumento que não é comumente usado neste universo. Os toques se apoiam nos padrões rítmicos do telecoteco, cabula, congo de ouro e partido-alto, e são acompanhados por surdo e ganzá (que atuam nas regiões grave e aguda, respectivamente). A segunda seção apresenta levadas criativas de bongô, campana e tantã. Elas são construídas e interpretadas com uma lógica cíclica, explorando variadas intenções e expressividades musicais. A ciclicidade é um aspecto elementar de diversos fazeres musicais africanos e afro-diaspóricos (LEITE, 2017), e reflete traços de cosmovisões e filosofias ancestrais (SANTOS, 2017).

As duas séries de vídeos apresentam as levadas de bongô isoladas e com andamento mais lento, bem como transcrições dos padrões rítmicos. Dessa forma, o material pode ser estudado de diferentes maneiras, por pessoas com variados graus de experiência musical. O material explora (i) aspectos técnico-expressivos do bongô e demais instrumentos presentes, (ii) padrões cíclicos com organização métrica em 6 e 7 pulsações elementares, (iii) fundamentos rítmicos do samba, (iv) gramática musical. Este e outros pontos são articulados dentro de uma proposta criativa, transcendendo fronteiras estéticas de técnicas e gêneros musicais.

Os “Estudos criativos para percussão popular” podem criar pontes entre saberes populares e conhecimentos científicos, contribuindo para a ampliação do espaço da percussão popular na academia, bem como para valorização de percussionistas populares e suas práxis.

Referências:

LEITE, Leitieres. Rumpilezzinho: laboratório musical de jovens - relatos de uma experiência. Salvador: LeL Produção Artística, 2017.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Traços de colonialidade na educação superior em música do Brasil: análises a partir de uma trajetória de epistemicídios musicais e exclusões. Revista da ABEM, Londrina, n. 39,  p.132-143, 2017.

QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder y clasificación social. In. Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/decolonialidad del poder. Clacso: Buenos Aires, 2014.

SANTOS, Marcos dos Santos. Perspectivas etnomusicológicas sobre batuque: racialização sonora e ressignificações em diáspora. Tese de doutorado em música, Universidade Federal da Bahia, 2020.

SOUZA SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do sul. Coimbra: Almedina, 2009.

TEIXEIRA, Marcello. A percussão e o ensino superior em Música. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In. CANDAU, Vera Maria (org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009, pp. 12-42


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